Conheça alimentos da gastronomia ancestral; tema será debatido no World Creativity Day, em Salvador

Letícia Durski By Letícia Durski

“A gastronomia ancestral está presente no nosso dia a dia e em quase tudo o que fazemos. A gente é que não percebe”. A afirmação é da chef de cozinha, pesquisadora e professora universitária Aline Guedes, 37 anos, uma das convidadas do World Creativity Day (WCD), o maior encontro de criatividade do mundo. A abertura do evento será às 17h30 desta quarta-feira (20), no Polo de Economia Criativa e Hub Salvador, no bairro do Comércio. A entrada é gratuita.

A gastronomia ancestral é tema de um dos ciclos de palestras do WCD. A temática reúne profissionais e pesquisadores voltados à produção de alimentos que eram produzido pelos antepassados e, geralmente, têm seu modo de preparo passado de uma geração para outra. É uma área ligada à ancestralidade e que valoriza a relação de respeito com o alimento, a terra e o saber fazer.

Também participam do debate o professor e consultor de gastronomia Tadeu Nonato, 39 anos, e Solange Borges, 59 anos, chef de cozinha e dona da página Culinária de Terreiro.

Além do amor pela culinária ancestral, eles têm em comum o aprendizado passado pela família. Segundo Aline Guedes, ela teve o primeiro contato com a gastronomia ancestral por meio de sua mãe, que sempre foi cozinheira e começou a trabalhar aos sete anos.

“Minha mãe costumava me falar da avó dela, que era uma mulher indígena, bem como da mãe dela, minha avó, que era uma mulher preta”, disse.

Já Tadeu Nonato relata que mesmo nascido na capital baiana, a família tinha vários costumes adotados por pessoas que moram no interior.

“A minha ideia de gastronomia veio muito da intenção da família, que produzia uma cultura ancestral, das folhas, fazendo uma cozinha peculiar mesmo não morando no interior”, explicou.

“A gente fazia comida de fogo de chão e sempre preservamos as folhas. Como fui nascido e criado no bairro da Boca do Rio, em Salvador, tive muito contato com o mar e vivências com mariscos. Vivenciando tudo isso, o meu amor pela gastronomia foi crescendo”, complementou.

No caso da chef Solange Borges, a relação materna foi crucial para se aventurar na cozinha.

“Sempre acompanhei minha mãe enquanto ela fazia comidas. Foi no terreiro de candomblé que ela teve a vivência de fazer acarajé e trouxe para área comercial e empreender”, contou.

Quando questionado sobre suas comidas ancestrais favoritas, Tadeu elenca moqueca de peixe, sarapatel e acarajé.

A chef Solange também é admiradora do quitute vendido no tabuleiro das baianas.

“Sou filha do acarajé, do dendê. Minha mãe viveu no tabuleiro de acarajé e, desse tabuleiro, conseguiu me colocar na escola, me deu dignidade e condições de sobreviver. Ela morreu e eu continuei. Faço acarajé, meus filhos e meus netos também fazem acarajé”, disse.

“Outro prato que gosto de fazer é uma farofa, porque é um prato que cabe em todo o lugar. Da mesa do mais rico a do mais pobre. É uma comida que sustenta. É fantástica”, acrescentou Solange.

Além disso, Solange também destaca a importância de outros alimentos ancestrais como o cuscuz, o mungunzá, raízes (inhame, aipim e batata) e mingau.

“Essa comida ancestral faz parte da vida da gente, mas não remetemos muito à ela, porque damos valor ao que vem de fora como, por exemplo, a cozinha italiana e a francesa. Não fortalecemos essa comida que é nossa, que tem o dendê, o camarão, o gengibre”, desabafou.

Por outro lado, Aline disse que não consegue selecionar seus pratos favoritos, mas sim, os alimentos que mais gosta.

“Gosto muito de pescados como, por exemplo, peixes e frutos do mar. Sou fissurada por moqueca baiana e por acarajé. Apesar de morar em São Paulo e ser daqui, tenho essa descendência baiana que me chama para esses preparos. Adoro produções que têm dendê, leite de coco e farinha”, afirmou.

Segundo Aline, a alimentação não é só o ato de cozinhar, pois cada alimento vem carregado de muitas outras questões.

“Vem carregado de história, de política, de questões sociais e antropológicas. Quando enxergamos essa potência, entendemos o quão importante é relacionar a cultura alimentar em outras temáticas.”
Comida e religiosidade

Uma outra questão que os três convidados têm em comum é a relação da comida com a religiosidade. Segundo Solange, trabalhar com a comida ancestral é fortalecer a religião e aqueles que vieram antes

“Minha mãe era do candomblé e também sou. Minha família já está na quarta geração do candomblé. Na minha religião a gente come árvore, pedra e chão. Temos uma relação muito forte com a comida”, disse.

“Então é muito importante resgatar nosso saber, nosso sabor, nosso fazer.”
Já Aline Guedes disse que uma tia dela é mãe de santo e, durante muitos anos, frequentou o terreiro de candomblé.

“Ali percebi essa conexão ancestral com a alimentação e com a ancestralidade. Fui percebendo a potência do alimento e como ele fomentava esses vínculos sociais e que nos conectam às nossas raízes.”
“Temos esse respeito pela Terra que é diferente do olhar dos europeus, que exploravam as terras. Sempre tiveram esse olhar exploratório e devastador. Não é o olhar que nós temos, de preservação, de entender que dali da terra tiramos nosso sustento, temos nossa vida, porque é para ali que vamos retornar também”, acrescentou.

Já Tadeu destaca que a religiosidade, a cultura e sabedoria dos ancestrais fazem com que ele tenha pertencimento de lugar.

“Isso me fez pensar muito e observar longe, para trás, para os ancestrais que vieram antes de mim, e pensar na questão da projeção de querer viver mais, querer fazer mais.”
“Não acredito em um resgate da culinária ancestral, pois temos uma liberdade alimentar e cultural sem igual. Tudo isso nos transforma através da comida, o conhecimento das plantas alimentícias faz toda a diferença, os povos originários e afro-brasileiros transformaram tudo através da cultura oral”, finalizou.

World Creativity Festival
Em todo o mundo, o 21 de abril é o Dia Mundial da Criatividade e da Inovação. Foi criado no Brasil em 2014, antes da data estabelecida pela ONU em 2017, em uma idealização portanto visionária de Lucas Foster, um dos maiores especialistas brasileiros em economia criativa.

O WCD Tornou-se o maior evento colaborativo de criatividade do mundo, espalhando-se em 2022 por cerca de 120 cidades ao redor do mundo, com mais de 1.500 atividades presenciais e online agendadas.

O Brasil é país central neste grande evento, com a participação de 92 cidades de todas as regiões entre os dias 20 e 22 de abril, de forma simultânea, através do engajamento de milhares de agentes que incluíram suas comunidades nesta rede colaborativa internacional.

Além disso, o público poderá conferir performances artístico-culturais, ambientes de convívio e shows de artistas que representam a nova música feita na Bahia, tudo com entrada gratuita. As inscrições podem ser feitas pela internet, sendo necessário agendar vaga para cada atividade individualmente.

A abertura oficial acontece nesta quarta-feira (20), às 17h30, com uma performance do Maracatu Ventos de Ouro, grupo feminino de Maracatu de Baque Virado fundado em Salvador em 2015.

Após a cerimônia, com a presença de representantes das entidades realizadoras e parceiras, que acontece às 18h, a fala magna, “Salvador #CidadeCriativa”, ficará a cargo de Monique Evelle, às 19h. Depois, às 20h, Itala Herta assume o talk “Inovação social: diversidade e inclusão”. Para fechar a noite, a FitDance ocupa o palco.

Mais outros dois shows serão realizados no Doca 1: na quinta-feira (21), às 20h, onde Larissa Luz apresenta o espetáculo de seu novo EP, “Deusa Dulov (vol. 1)”. Na sexta-feira (22), também às 20h, o encerramento é com RDD, líder do grupo ÀTTOOXXÁ.

Serviço
World Creativity Festival
Quando: 20 a 22 de abril de 2022
Onde: Doca 1 – Polo de Economia Criativa e Hub Salvador (Comércio)
Quanto: Gratuito

Share This Article
Leave a comment

Deixe um comentário